Escrever sobre Henrique Mello é, de certa forma, pensar e aprender um pouco sobre a história da maquiagem no Brasil. Ao entrevistá-lo, pude viajar por décadas ao imaginar um rapazinho pernambucano que, ainda muito jovem, em uma época em que não existiam redes sociais e em que a profissão de makeup artist não tinha esse glamour todo com o qual é vista hoje em dia, se lançou para o mundo e resolveu, mesmo contra a vontade dos familiares, seguir a carreira de maquiador.
A conexão com o universo criativo surgiu cedo. Henrique conta que, quando criança, isso em meados dos anos 1970, amava desenhar – uma de suas atividades favoritas era copiar o que via na extinta revista Manchete, principalmente imagens de mulheres lindamente produzidas. Esse interesse por desenho o fazia, inclusive, pensar que deveria estudar Arquitetura. Quando entrou na adolescência, no entanto, seus planos mudaram de rumo. Ao observar suas irmãs mais velhas se arrumando, começou a se interessar por maquiagem. E, pouco tempo depois, já estava participando ativamente daqueles momentos, retocando os makes que elas faziam. Sentiu que era daquilo que realmente gostava.
Um pouco mais velho, com 16 anos, fez duas amizades que também teriam repercussão em seu futuro: com a modelo Flor Andrade e com o fotógrafo de moda Renato Filho, que na época estava dando seus primeiros cliques. Começaram a trabalhar juntos e logo o grupo aumentou – se juntaram a eles o estilista Beto Kelner e sua mãe Perola Kelner Fontes, dona da boutique Perola Modas. A turma de criativos ficou tão famosa por seus trabalhos artísticos nos anos 1980 (editoriais, ensaios, instalações…) que acabou até ganhando nome próprio: Grupo Caras e Bocas.
SENAC, DESFILES E ESTRELAS DA TV EM SUA CADEIRA
A partir desses encontros, o universo foi conspirando e empurrando Henrique para o mundo da beleza. Um dia escutou do amigo Múcio Catão, famoso maquiador e figurinista recifense, que um dia ele iria sobreviver da maquiagem. Parece que a frase deu ainda mais força para seus propósitos. Foram inúmeros os lanches que deixou de comer para investir o dinheiro em seu arsenal de produtos e incontáveis as horas passadas na Mesbla, um dos grandes centros de compras na época, checando as novidades de marcas como Max Factor e Helena Rubinstein. Tudo com um objetivo: aprender mais e evoluir.
Com 18 anos, saiu de casa e começou a trabalhar em um salão, onde aprendeu muito sobre cabelo. Nesse período, começou a fazer também maquiagens para desfiles de moda. E na sua cadeira começaram a sentar várias estrelas brasileiras – muitas delas, olha só que coincidência, faziam sucesso nas páginas da mesma revista Manchete que ele havia usado como referência para seus desenhos infantis. Por seus pincéis passaram Monique Evans, Magda Cotrofe, Luiza Brunet… e Claudia Raia, que acabou se tornando uma cliente fiel e também uma grande amiga (mais um pouquinho sobre essa história você vai ler mais adiante).
Outro passo importante da época foi começar a dar aulas no Senac. A experiência, segundo ele, fez seu olhar sobre a maquiagem deixar de ser apenas intuitivo e torna-se mais técnico – afinal, precisou entender o processo para saber como ensinar. Foi junto com a escola que acabou indo parar em uma convenção em São Paulo, na qual circularam nomes fortes do make nacional (Eric Rezipeck, diretor do núcleo de caracterização da TV Globo, e Celso Lagos, referência em maquiagem, eram algumas das feras que estavam por lá). Nesse momento, a carreira deu mais um salto: Henrique voltou estimulado a crescer ainda mais e ampliar seu mercado de trabalho.
A experiência, apesar de curta, ainda rendeu um bom networking. E foi por meio dos contatos feitos na convenção que acabou sendo convidado a integrar o casting de uma das grandes agêsncia de maquiadores do Sudeste, a First – na qual tinha, como colegas, muita gente que também brilharia na área de cabelo e maquiagem (alguns exemplos? Duda Molinos, Mauro Freire, Celso Kamura, Tadashi Harada, Marcos Antonio de Biaggi…).
NOVOS PASSOS E UM MERGULHO NO MUNDO DA MODA
Já vivendo em São Paulo, caiu nas graças da jornalista de moda Regina Guerreiro (sim, a papisa fashion, que, entre outras proezas, comandou as revistas Vogue e Elle!). Integrando a sua equipe, passou a trabalhar com fotógrafos renomados, como Bob Wolfenson, J.R. Duran e Miro. Foi aí que sua carreira efetivamente deslanchou (editoriais, campanhas publicitárias, capas de revista, novos desfiles… tudo isso começou a pipocar em sua agenda).
E sabe aquela amizade com Claudia Raia que mencionei alguns parágrafos atrás? Então, ela também rendeu trabalhos memoráveis para Henrique. Além de muitos editoriais e capas, gerou criações interessantíssimas no campo da caracterização teatral, já que desenvolveu os visuais para muitos de seus musicais.
Outras celebs que também foram maquiadas e penteadas por Henrique? Wanessa Camargo, Ivete Sangalo, Fafá de Belem, Maria Rita, Ana Paula Arósio, Carolina Kasting… E, claro, a cantora Sandy, outra estrela com quem tem uma longa parceria. Além de acompanhá-la em muitos trabalhos, nosso entrevistado também esteve presente em vários momentos importantes de sua vida pessoal – foi ele, por exemplo, que fez sua maquiagem no dia do casamento.
E nesse currículo poderoso ainda tem mais, muito mais… A concepção da beleza de quatro novelas (Torre de Babel, As Filhas da Mãe, TiTiTi [remake] e O Beijo do Vampiro), de um programa (O especial dos 40 anos da TV Globo) e, mais recentemente, um especial para o Fantástico chamado Correio Feminino, que tinha Maria Fernanda Candido como atriz principal (todos esses trabalhos na TV Globo). Henrique também acumula prêmios Avon de Maquiagem e, exatamente por causa disso, tornou-se, em 2013, membro do Wall of Fame dessa mesma premiação. É, enfim, um pouco da história da maquiagem brasileira consolidada em uma só pessoa.
UM ENCONTRO PARA FICAR NA HISTÓRIA
Acho que dá para você imaginar a minha felicidade de poder ouvir todas essas histórias, ainda por cima tendo como cenário da conversa o delicioso e mágico estúdio de maquiagem de Henrique – espaço que ele mantém em seu apartamento aqui em Recife. Pude navegar por uma quantidade quase infinita de livros sobre maquiagem, por seus recortes de revistas (vários reproduzidos aqui ao longo do post), por seu riquíssimo acervo de perucas, cílios postiços e produtinhos de maquiagem… Uma experiência riquíssima, que já se transformou em um dos momentos mais preciosos desta minha colaboração com o Beauty Editor. Espero que você também tenha curtido saber mais sobre a história desse grande profissional!
Por Carol Lapenda
Fotos: reprodução Arquivo Pessoal